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3°  Estudo de Caso

     No começo de 2017, Dória prometia empregos aos dependentes de crack por meio de parceria público privadas; entretanto, recentemente, o prefeito “lacrou os comércios antes que os proprietários pudessem retirar seus pertences e começou a demolir”; uma ação que só foi interrompida quando um muro caiu, ferindo três pessoas. Esses são os resultados, até agora, do programa Redenção, proposto pelo PSDBista como substituição do programa De Braços Abertos, executado por Haddad na gestão anterior da prefeitura.

     Para contrastar o projeto de Dória, é necessário uma melhor compreensão do histórico das tentativas de lidar com esta questão. Em primeiro lugar foi feito o Programa Recomeço, uma “iniciativa do governo do Estado de São Paulo para ajudar os dependentes químicos”. Esse programa atua com a “internação dos dependentes em centro de referência”. Uma avaliação quantitativa do programa mostrou que 40% dos usuários nunca passaram por uma avaliação de saúde, mesmo depois de 10 anos de atuação da prefeitura. Isso apesar de 69% estarem à procura de ajuda e 56% estarem dispostos a largar o crack, segundo a mesma avaliação. Na opinião do então secretário estadual do desenvolvimento, esses dados mostram que o programa foi um fracasso. Por outro lado, foi a primeira vez que se fez um levantamento sociodemográfico da cracolândia, o que é extremamente positivo do ponto de vista de conseguir insumos para executar uma política pública.

     O programa De Braços Abertos, por outro lado, “ofereceu acomodações, três refeições diárias, oportunidade de trabalho e renda e mediação de acesso a serviços de saúde para as pessoas identificadas como ‘usuárias de crack’”, sem a exigência de interrupção do consumo dessa ou de outras drogas. Esse programa também foi extensivamente estudado e muito bem avaliado, com 95% de aprovação por parte dos atendidos.

     Por outro lado, o programa Redenção sequer tem uma proposta clara e já está sendo sendo executado de maneira desastrosa. Devemos lembrar que política pública se faz com ajuda de pesquisas, dados e diagnósticos; é necessário um bom mapa que guie o órgão público durante a execução. No caso do problema do crack, o mapa já foi feito pelos dois projetos anteriores voltados à cracolândia e infelizmente a gestão atual parece simplesmente ignorá-los.

     A Justiça aceitou nesta semana o pedido da Prefeitura para a apreender e submeter a avaliações os usuários de crack, ou seja, de forma forçada, em um prazo de 1 mês. Esse pedido foi realizado após uma operação da polícia na região da Cracolândia, que resultou na prisão de 53 pessoas.

    O promotor da área de saúde de São Paulo, Arthur Pinto Filho, considerou a operação “Um equívoco do começo ao fim. Uma ação que não tem nenhuma vírgula do que foi tratado com a prefeitura.” Além disso, em relação aos fatos que se sucederam na última semana, afirma “Estamos absolutamente estupefatos. O que está acontecendo agora naquela região é uma coisa absurda. Não tem paralelo você destruir casas com pessoas dentro.”. Afirmações como essa evidenciam o total descaso da nova gestão da Prefeitura com os Direitos Humanos.

     Além disso, a secretária de Direitos Humanos e Cidadania da prefeitura de São Paulo, Patrícia Bezerra, renunciou ao cargo após as atrocidades ocorridas na Cracolândia. No seu discurso de renúncia explicita os seus motivos e seu total desacordo com as novas políticas aplicadas pela gestão Dória, alegando dificuldades enfrentadas há tempos para dar continuidade à agenda de direitos humanos e ao atendimento humanizado à população carente paulistana.

     A mera tentativa de deslocar, ou mesmo expulsar cidadãos em situação de risco de onde os mesmos habitam, sem perspectiva de alocação ou abrigo futuro é absolutamente desumanizante. Não existe justificativa para uma ação agressiva e invasiva, sem mediação ou qualquer sustento teórico. É necessário manter sempre em mente que, quando se tratam de seres humanos, o diálogo e o respeito são essenciais, não importando sua situação. Dependentes químicos são, antes de tudo, seres humanos que precisam de apoio e suporte. Em visita à nova região para onde os usuários da cracolândia foram deslocados, o Conselho Nacional de Direitos Humanos ouviu relatos de abusos cometidos pelos agentes do governo. O Conselho já enviou documentos para o governo do estado solicitando apuração das violências cometidas e exigindo procedimentos aliados aos órgãos de segurança pública que garantam o direito de ir e vir dos cidadãos, assim como sua integridade física.

    Além disto, os indicadores socioeconômicos relacionados aos dependentes químicos escancaram um problema muito maior: a falta de suporte do governo está presente muito antes do contato com as drogas. A grande maioria dos que se encontram nas cracolândias advém de famílias pobres, renegadas pelo governo.

     Os novos serviços alegadamente “em desenvolvimento”, não aparentam ter passado dessa fase, e menos ainda ter alguma articulação entre si. O atendimento por assistentes sociais e de saúde, que deveria ter ocorrido antes da ação policial e direcionado os dependentes de crack para moradia ou internação, se torna ainda mais difícil após a dispersão destes. A gestão tentou optar pelo caminho da internação forçada, mas o pedido foi negado, com base na lei federal 10.216/0, que condiciona internações forçadas a uma autorização judicial caso a caso. A Justiça autorizou, no entanto, “a busca e apreensão das pessoas em estado de drogadição” para encaminhá-las para avaliação médica. Essa medida, que sequer tem entidades de internação designadas, vai contra abordagens humanizadas, como a adotada pelo Movimento Nacional de População de Rua/MNPR, que valoriza a fala dessa população e os laços entre eles. Dória diz que a “Cracolândia aqui acabou”, mas ressurgiu ali, a menos de 400 metros. Como disse também o prefeito, esse “não é um trabalho para 10, 20 dias”. Mas também não é um trabalho que se faça com tal despreparo.

 

Fontes:

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/05/1886815-operacao-na-cracolandia-foi-selvageria-sem-paralelo-diz-promotor-da-saude.shtml

http://www.valor.com.br/politica/4980486/secretaria-de-direitos-humanos-de-sp-se-demite-apos-caso-cracolandia

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/05/1887193-nova-cracolandia-de-sao-paulo-tem-oferta-de-crack-a-r-4-e-lojas-fechadas.shtml

http://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/27/politica/1495840519_889037.html

http://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2014/05/profissao-reporter-mostra-o-drama-de-usuarios-de-crack-no-estado-de-sp.html

http://vejasp.abril.com.br/cidades/depoimentos-dramaticos-de-quem-luta-contra-crack/

http://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2016/12/Pesquisa-De-Bra%C3%A7os-Abertos-1-2.pdf

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/01/1847475-programa-de-doria-na-cracolandia-preve-emprego-de-r-1800-a-viciados.shtml#_=_

http://temas.folha.uol.com.br/descaminhos-da-cracolandia/introducao/cracolandia-vira-alvo-de-disputas-politicas-economicas-e-sociais.shtml

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/usuarios-se-concentram-na-praca-princesa-isabel-apos-acao-na-cracolandia.ghtml

http://istoe.com.br/conselho-nacional-de-direitos-humanos-ouve-relatos-de-abusos-na-cracolandia/

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/conselho-nacional-de-direitos-humanos-vistoria-nova-cracolandia-em-sp.ghtml

Dória e a Cracolândia

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